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DOENÇA CELÍACA E SENSIBILIDADE AO GLÚTEN: O QUE SABEMOS SOBRE ISSO?

Por  Dra Ana Vládia Bandeira Moreira*

Uma das principais causas da restrição ao glúten é a doença celíaca (DC), um processo inflamatório crônico que afeta o sistema autoimune do organismo e que ocorre em indivíduos geneticamente predispostos.  A DC pode se manifestar em qualquer fase da vida, com ou sem apresentação de sintomas. O paciente celíaco pode apresentar o sintoma típico, que é a diarreia crônica onde as fezes apresentam características pálida, aquosa, volumosa e fétida devido à má absorção de gordura. Além disso, há um comprometimento do estado nutricional e carências vitamínicas múltiplas.

 

O indivíduo pode manifestar outros sintomas como a baixa estatura, osteoporose, anemia, atraso puberal, hipoplasia do esmalte dentário, edemas, artrites ou dores nas articulações, constipação intestinal e até dermatite hepertiforme, o que pode dificultar no diagnóstico da doença. Além da DC e alergia ao trigo, há casos de reações ao glúten no qual os mecanismos não alérgicos ou autoimunes estão envolvidos. Estes são geralmente definidos como sensibilidade ao glúten não celíaca (SGNC).

Atualmente os estudos têm aprofundado em relação às hipersensibilidades alimentares e muitos destes estudos têm como enfoque o trigo, entre outros alimentos que apresentam glúten. Além da doença celíaca, outras manifestações podem ser observadas pela presença do glúten como distúrbios da tireóide, diabetes tipo l e nefropatias. As principais reações adversas ao glúten podem causar sintomas como flatulência, dor abdominal, diarréia, dor articular, náusea, síndrome da fadiga crônica, asma, deficiência nutricional, estresse, gastrite, esofagite, distúrbios hepáticos, distúrbios da tireóide, das articulações e neurológicos.

Os efeitos da gliadina, uma das proteínas que compõe o glúten do trigo, na permeabilidade da mucosa intestinal é um dos principais fatores que relaciona o glúten com outras doenças autoimunes, metabólicas e reações adversas apresentadas anteriormente. Na sensibilidade ao glúten não celíaca (SGNC), o contato com a substância não leva a danos específicos no intestino delgado. Contudo, os sintomas gastrointestinais assemelham-se aos associados à DC e o quadro clínico não é acompanhado pela concordância de autoanticorpos – como a antitransglutaminase, específica para diagnóstico de reações ao glúten ou outro anticorpo específico da doença celíaca.Atualmente, o diagnóstico de SGNC é de exclusão. No entanto, esta abordagem carece de especificidade e está sujeita ao risco de um efeito placebo da dieta de eliminação na melhoria dos sintomas.

Uma das doenças correlacionadas ao glúten é o diabetes tipo 1 (DT 1). Alguns estudos têm demonstrado a relação da ingestão de proteínas com o desenvolvimento desta doença, tais como as proteínas do trigo, da soja e do leite. Dentre eles, observou-se que o consumo do glúten é um potente desencadeador ou potencializador de alguns casos de DM 1. Ademais, observa-se que a prevalência da DC em diabéticos do tipo 1 é de 4% a 8% dessa população. Neste grupo (portadores de DT 1 e DC), a restrição ao glúten se mostra eficaz na redução das complicações decorrentes da DC e também exerce grande impacto sobre complicações diabéticas, como as nefropatias – inflamação renal ocasionada pelo diabetes.

Nesse contexto, verifica-se que a maioria dos indivíduos geneticamente suscetíveis à DT1 estão expostos a um ou vários agentes ambientais, porém com período de desencadeamento e sintomas variados. Esses agentes ambientais não são necessariamente considerados diabetogênicos – algo que pode levar a ocorrência do diabetes – pois podem também ser relacionados às alterações da mucosa intestinal que comprometem o sistema imunológico e, possivelmente, são desconsiderados no entendimento da doença. Assim, evidencia-se que fatores ambientais como a ingestão do glúten podem afetar a ocorrência do diabetes dependendo da frequência, da quantidade e da idade de exposição ao glúten.

O tratamento da DC assim como da SGNC consiste em dieta sem glúten, devendo-se, portanto, excluir da alimentação tudo o que contenha trigo, centeio, cevada e aveia. Com a instituição de dieta totalmente sem glúten, há normalização da função intestinal e das manifestações clínicas. Porém, no caso de diagnóstico tardio, pode haver alteração da permeabilidade da membrana intestinal por longo período de tempo e a absorção de moléculas alimentares de grande peso molecular, como proteínas, por exemplo. Poderá desencadear quadro de hipersensibilidade alimentar, resultando em manifestações alérgicas. Contudo, é sabido da importância da informação e orientação nutricional visando melhoria na qualidade de vida, tanto da doença celíaca como da sensibilidade ao glúten não celíaca.

Considerando toda a evolução para se chegar ao conhecimento do diabetes tipo II, como uma patologia não genética, mas de ocorrência na maioria dos indivíduos envolvidos em questões ambientais como sobrepeso, hábitos alimentares não saudáveis e ausência da prática de atividade física, questiona-se se não estamos diante de um futuro quadro de Doença Celíaca tipo II, visto que a forma de diagnóstico não responde da mesma maneira que no doente celíaco clássico, ou seja, ao geneticamente predisposto.

Enfim, são muitos os questionamentos para podermos refletir ao longo do processo de estudo e de pesquisas que o mundo inteiro está envolvido ao tentar entender estes dois universos: doença celíaca e sensibilidade do glúten. Na prática clínica o que observamos é que o indivíduo sensível hoje, não tratado, evolui para danos de mucosa e acabam por manifestar a doença celíaca. A pergunta é: os sensíveis ao glúten de hoje, são os celíacos de amanhã?

Neste sentido, cabe particularmente ao profissional nutricionista elaborar e orientar a terapia dietética e corrigir déficits nutricionais, excluindo o glúten e seus derivados da dieta definitivamente para os pacientes celíacos e fazer a dieta de exclusão e recolocação para os pacientes com sensibilidade ao glúten, observando os sintomas para direcionar condutas mais seguras e eticamente mais eficazes.

FENACELBRA - 25 de junho de 2013

Dra. Ana Vládia Bandeira Moreira é nutricionista, com mestrado e doutorado em ciência dos alimentos pela USP. Atualmente é Professora da UFJF, com atuação no PRÓ-GASTRO UFJF (ação integrada de ensino, pesquisa e extensão em Doenças do Trato Digestório).

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